As batalhas travadas no território da mente humana possuem uma intensidade que transcende a compreensão ordinária. Estas lutas internas, conforme descrito por Carl Jung, envolvem uma complexa dança de sombras e luzes, onde cada indivíduo enfrenta seus próprios demônios e anseios (Jung, 1951). O termo autoinfernização, cunhado por mim em uma poesia baseada em mim mesmo, tem o objetivo de captar a essência da autodestruição psíquica, de descrever um estado onde pensamentos negativos convergem em uma força devastadora, minando a esperança, a paz e a alegria de viver.
Esta condição é ecoada nas pesquisas de Martin Seligman sobre a teoria da aprendizagem da desesperança, que explica como padrões de pensamento negativos podem levar a um sentimento de impotência e resignação (Seligman, 1975). Neste processo, a pessoa se vê presa em um ciclo vicioso de negatividade, onde cada pensamento, cada memória, se transforma em um testemunho de falhas e desilusões pessoais.
A autoinfernização é um diálogo interno implacável, que distorce a realidade e obscurece a verdade. Neste cenário, as afirmações e negações tornam-se absolutas, um reflexo do que Aaron T. Beck descreveu como "pensamento dicotômico" na teoria cognitiva da depressão, onde o indivíduo vê a realidade em termos extremos, sem nuances (Beck, 1967).
Por mais paradoxal que possa parecer, mesmo em meio à beleza e à tranquilidade, uma mente aprisionada pela autoinfernização permanece imersa em turbulência e dor. Este estado reflete a teoria do "filtro negativo", proposta por Beck, onde experiências positivas são ignoradas ou distorcidas através de uma lente pessimista, perpetuando assim um ciclo de descontentamento e tristeza.
No entanto, a psicologia positiva oferece uma luz no fim do túnel. Seligman, em seus trabalhos posteriores, enfatiza a importância da resiliência e do otimismo, sugerindo que o cultivo de pensamentos positivos e a reestruturação cognitiva podem pavimentar o caminho para uma vida mais plena e satisfatória (Seligman, 2002).
Assim, a luta contra a autoinfernização é, em essência, uma batalha pela reivindicação da própria narrativa. Não se trata de negar a existência de adversidades, mas de reconhecer que, mesmo nas dificuldades, existe a possibilidade de crescimento, aprendizado e, acima de tudo, de redenção.
A vida, com suas inúmeras facetas, nunca prometeu ser um conto de fadas. Contudo, mesmo diante dos desafios, a crença na capacidade de superação e na busca por significado pode iluminar os caminhos mais sombrios. Como Viktor E. Frankl sabiamente observou, encontrar sentido até mesmo nas circunstâncias mais adversas é o que nos define e nos impulsiona para frente (Frankl, 1946).
Portanto, confrontar a autoinfernização é uma questão de resistir ao negativismo e de abraçar a complexidade da existência, reconhecendo que, em cada momento de desespero, existe também uma oportunidade para a transformação e a esperança.
No âmbito da produção audiovisual, o filme "Central do Brasil" (1998), dirigido por Walter Salles, apresenta personagens que, apesar de enfrentarem realidades duras e desafiadoras, lutam contra a desesperança e buscam redenção e significado em suas vidas. A trajetória dos personagens ilustra a luta contra a autoinfernização por meio da busca por conexões humanas e propósitos de vida.
Para enfrentar a autoinfernização, é fundamental adotar estratégias baseadas em evidências científicas que promovam a saúde mental e o bem-estar. Seguem alguns passos fundamentados em pesquisas psicológicas:
Autoconsciência e Identificação de Pensamentos Negativos: A primeira etapa envolve reconhecer padrões de pensamento negativo. Estudos como os de Aaron T. Beck destacam a importância da terapia cognitiva para identificar e questionar crenças irracionais e pensamentos automáticos negativos (Beck, 1967).
Reestruturação Cognitiva: Após a identificação desses pensamentos, a reestruturação cognitiva é uma técnica sugerida para desafiar e modificar pensamentos distorcidos, promovendo uma visão mais equilibrada da realidade (Beck, 1979).
Desenvolvimento de Resiliência: A resiliência, a capacidade de se recuperar diante de adversidades, é crucial. Pesquisadores brasileiros como Edith Seligman e cols. destacam a importância de estratégias de coping* adaptativas para o desenvolvimento da resiliência (Seligman, 2019).
* O termo "coping" refere-se, no contexto deste post, às maneiras pelas quais as pessoas podem combater a chamada autoinfernização, adotando estratégias psicológicas que promovem a saúde mental, a adaptação positiva e o bem-estar, mesmo diante de circunstâncias adversas.
Prática de Mindfulness e Atenção Plena: Estudos indicam que a prática de mindfulness pode reduzir sintomas de ansiedade e depressão, ajudando a pessoa a se concentrar no presente e reduzir a ruminação de pensamentos negativos (Kabat-Zinn, 1994; adaptado para o contexto brasileiro por Demarzo et al., 2014).
Busca por Apoio Social e Profissional: A conexão com amigos, familiares e a busca por apoio profissional são essenciais para superar períodos de autoinfernização. A terapia, seja ela cognitivo-comportamental, psicodinâmica ou outras formas, fornece um espaço seguro para explorar e entender os pensamentos e comportamentos autodestrutivos.
Ao integrar essas estratégias no contexto brasileiro, é possível proporcionar uma abordagem mais rica e culturalmente relevante para lidar com a autoinfernização. Obras literárias e produções audiovisuais brasileiras, ao retratarem personagens enfrentando essas lutas internas, não apenas espelham a realidade de muitos, mas também oferecem perspectivas valiosas sobre a superação de adversidades.
Para adicionar referências brasileiras que podem se relacionar com o termo "autoinfernização", podemos considerar o trabalho de diversos autores e pesquisadores brasileiros que se debruçaram sobre temas como a saúde mental, o sofrimento psíquico, a resiliência e a superação de adversidades. Embora o termo "autoinfernização" possa não ser explicitamente usado, estes autores oferecem perspectivas valiosas que dialogam com os conceitos abordados:
Nise da Silveira - Psiquiatra brasileira renomada por seu trabalho inovador com terapias expressivas e humanizadas no tratamento de pacientes psiquiátricos. Suas pesquisas e práticas enfatizavam a importância da expressão emocional e artística como forma de lidar com conflitos internos e sofrimentos psíquicos, podendo ser relacionadas à ideia de superar estados de "autoinfernização" através da arte e da criatividade.
Ana Beatriz Barbosa Silva - Médica psiquiatra conhecida por seus livros que abordam temas como ansiedade, depressão e transtornos de personalidade. Seus trabalhos fornecem insights sobre como padrões de pensamento negativos contribuem para estados de sofrimento mental e oferecem estratégias para enfrentar esses desafios, alinhando-se à discussão sobre "autoinfernização".
Augusto Cury - Psiquiatra e escritor que desenvolveu a teoria da Inteligência Multifocal, analisando o funcionamento da mente e os processos de construção de pensamentos. Cury discute como os padrões de pensamento podem levar a estados de estresse, ansiedade e depressão, e propõe métodos para desenvolver o controle emocional e a resiliência, conceitos relevantes para o enfrentamento da "autoinfernização".
Maria Rita Kehl - Psicanalista e escritora que explora temas como o mal-estar na contemporaneidade, a depressão e a subjetividade. Seus ensaios podem oferecer uma compreensão profunda do sofrimento psíquico em contextos sociais e pessoais, contribuindo para a discussão sobre como as pessoas podem se autoinfernizar em resposta às pressões externas e internas.
Roberto Shinyashiki - Psiquiatra e autor que escreve sobre autoajuda, motivação e superação pessoal. Seu trabalho foca em como enfrentar desafios, superar limitações e construir uma vida significativa, aspectos que podem ser considerados na luta contra a "autoinfernização".
Estes autores contribuem com perspectivas variadas sobre a saúde mental e o bem-estar psicológico, oferecendo estratégias que podem ajudar indivíduos a enfrentar e superar estados de "autoinfernização", promovendo uma vida mais plena e satisfatória.
Referências:
- Jung, C. G. (1951). The Phenomenology of the Spirit in Fairytales.
- Seligman, M. E. P. (1975). Helplessness: On Depression, Development, and Death.
- Beck, A. T. (1967). Depression: Clinical, Experimental, and Theoretical Aspects.
- Seligman, M. E. P. (2002). Positive Psychology, Positive Prevention, and Positive Therapy.
- Frankl, V. E. (1946). Man's Search for Meaning.
Quero deixar bem claro que não sou formado em Psicologia, e, sim, em Comunicação Social. O termo autoinfernização não existe, mas espero que seu sentido tenha ficado claro. O que quis dizer é que o inferno muitas vezes está mais dentro de nós mesmos, na forma como pensamos e como falamos conosco do que no mundo exterior, nas pessoas e situações a nossa volta. De modo que o inferno é esta forma adoecida e adoecedora de pensar e que repetimos insistentemente ainda que tudo esteja em calmaria ou dando certo. E ela precisa ser identificada, reconhecida e combatida seja com que nome for.
Pode ser que o termo e o universo associado a ele já exista em alguma ciência ou escrito, talvez com nome diferente. Independente de tudo, procure ajuda profissional, tente se ajudar, ore, medite, lute contra ela: AUTOINFERNIZAÇÃO.
Texto: Jackson Angelo
Imagem criada com ajuda de IA
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